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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Especialista em Docência do Ensino Superior pela Fibh e graduado em História pelo Centro Universitário de Belo Horizonte. Atualmente é professor do ensino médio. Tem experiência na área de História, com ênfase em História da tecnologia na educação.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

ENSINO: ALGO PARA SE PENSAR


Nos dias atuais a definição de sociedade se tornou escapadiço. Uma vez que a humanidade se encontra permeada por sociedades liquidas onde as identidades são fluidas e nas quais as “verdades” são passageiras e, “para sempre”, ao contrario do cita Bauman[1], não dura nem vinte anos. Talvez sendo mais correto afirmar que se encontra bem próximo do que disse Vinicius de Moraes: “Que seja eterno enquanto dure”.


A humanidade nos últimos trinta anos sofreu mudanças até então inimagináveis. Certezas cederam lugar há incertezas, o impossível tornou-se possível, a ficção saiu do imaginário das pessoas visionárias tornando-se realidade no mundo factual. A informática ocupou espaços importantes no dia-a-dia das pessoas e, ao longo de sua curta trajetória, foi se miniaturizando tornando-se cada dia mais portátil e fácil de carregar. Celulares, tabletes, ifones, netbooks viabilizaram o acesso a internet móvel eliminando os fios e ampliando as formas de conexão a Rede Mundial de Computadores. O que possibilitou às pessoas obter informações sobre os mais variados assuntos onde quer que ela se encontre.


Assim essas mudanças proporcionadas pelas tecnologias digitais se constituíram a base do mundo pós-moderno em que vivemos, ou como diria Bauman[2], dessa ”sociedade líquida”, onde as identidades se tornaram fluidas e movediças. O que Possibilita que as pessoas tornem-se o que quiserem, ainda que de formar ficcional. Ou como afirma Bauman (2005),

a “identidade” só nós é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por protegê-la lutando ainda mais – mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta.


Desta forma o ser humano fruto da liquidez produzida pela globalização do conhecimento e da facilidade de informação, se tornou multifacetado. Analogicamente, pode-se pensar que os membros desta sociedade liquida se transformam a cada instante conforme a necessidade do momento em que vivem, resguardando o seu verdadeiro ser em um local que só a eles é dado acesso, uma espécie de alcova psicológica. O grande problema desta situação é que em alguns casos as facetas múltiplas da identidade moderna obscurecem a essência do ser estrategicamente escondido. Assim absurdos ganham ares de normalidade, o inaceitável passa a ser tolerado e a sociedade passa a ver e aceitar tudo com resignação. Fato que de alguma forma pode explicar o descaso em que se encontra a educação.


Motivo pelo qual encontramos pensadores que na busca por alternativas para salva a educação brasileira, apresentam soluções no mínimo milagrosas, como a “Carta de Transdiciplinsridade” [3]. Em um mundo no qual, como diria Marx, “tudo que é solido se desmancha no ar”, devido à velocidade das transformações provocadas pela parceria ciência e tecnologia. Como esperar que diretrizes traçadas sob a égide de uma pseudo Transdisciplinaridade seja a solução de todos os problemas enfrentados na educação?  E o que é pior, como se apoiar sobre diretrizes traçadas por homens que se sentem acuados pela velocidade que as tecnologias apreendem nas mudanças dos “fatos”? Situação que se encontra estampada de forma clara no preâmbulo da mesma em frases como, “Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante que obedece apenas à lógica assustadora da eficácia pela eficácia.[4]” Ainda que estes homens sejam Doutores renomados em seus segmentos, não podemos deixar de perceber em seus escritos o receio do desconhecido. Além do mais, Segundo Roger Chartier[5] “Aquilo que é radicalmente novo, com a revolução eletrônica atual, é que não há processo de aprendizagem transmissível de nossa geração à geração dos novos leitores.”


Desta forma, talvez a grande pergunta a se fazer sobre a utilização dos princípios impressos nesta Carta de Transdisciplinaridade é se estes estudiosos já conseguiam antever os rumos que a sociedade tomaria transformando-se nesta sociedade liquida, multifacetada e globalizada presente na atualidade. Ou será que eles estavam tentando se proteger de um futuro incerto? Como deixam transparecer no trecho escrito desta forma, “Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências sobre o plano individual e social são incalculáveis.[6]” Um novo obscurantismo? E ai a pergunta que não quer calar é, será que o fato que se apresenta para eles de forma obscura também o é para as gerações dos “novos leitores” que os sucederam e principalmente para os leitores das gerações vindouras? Nicolau Sevcenko[7] traz uma analogia sobre Albert Einstein que é interessante para se pensar sobre esta situação.  Quando criança Einstein passeava de trem e se maravilhava com os faróis das maquinas ao se cruzarem em um túnel , e, se perguntava o que veria se estivesse em um daqueles fachos de luz. Ao tentar compartilhar esta ideia com seu pai e seu tio não foi compreendido por eles que viam apenas dois faróis que tinham a função determinada, porem o jovem Einstein via ali um manancial de possibilidades ilimitadas. A diferença entre Einstein e seus parentes é a perspectiva da dimensão do olhar. Se para o pai e o tio de Einstein todo o contexto da eletricidade era uma inovação, para ele ,que nascerá em um mundo no qual o seu uso já era um fato, a eletricidade já não era novidade, mas sim suas possíveis potencialidades. Portanto, o que para os idealizadores da Carta da Transdisciplinaridade parece obscuro para outros que tenham uma perspectiva de olhar diferente pode ser uma gama de possibilidades a ser explorada.


Não obstante, de alguns de seus artigos é possível retirar, com moderação e consciência do contexto na qual ela foi elaborada, conceitos e diretrizes que podem ser empregados no ensino formal brasileiro. Uma vez que muito se fala sobre a utilização de métodos interdisciplinares e transversais na pratica docente.


O fato é que a aplicação de métodos interdisciplinares e transversais no ensino de história é quase uma unanimidade entre os docentes. Porém, o seu uso deve ser feito de forma condizente com o momento de globalização que se faz presente no mundo hoje.


No que se refere ao ensino de história, o uso da interdisciplinaridade é uma constante, uma vez que o docente que atua nesta área acaba, querendo ou não, tendo que lançar mão de conceitos e métodos pertencentes as mais diversas áreas de atuação da ciência em prol de alcançar a compreensão histórica.


Contudo, deve-se ter o cuidado de buscar sempre novas formas de ver o mesmo objeto de estudo com o passar do tempo. Sempre se preocupando em perceber a visão e os anseios dos estudantes que participarão do processo de ensino aprendizagem. Pois só através da leitura do momento em curso, das expectativas dos estudantes, do seus conhecimentos prévios e da influência destes fatores no cotidiano dos alunos é que será possível agir como facilitador do conhecimento. Sempre tomando o devido cuidado para não incidir no “erro”, do passado, de engessar os alunos a partir de conceitos pré-determinados. Destarte, a interdisciplinaridade e a transversalidade é um caminho, mas não a solução de todos os problemas da educação.



Considerações Finais

È triste constatar que uma reportagem publicada na revista Nova Escola[8], dizendo que os cursos de licenciaturas não preparam seus alunos para a realidade do ensino no Brasil, é verdade. Claro que as instituições através de seus professores ministram vários conteúdos pertinentes ao curso que se dispõe a proporcionar. Mas isso é muito pouco para se formar um professor no Brasil atualmente. O mundo mudou, as pessoas mudaram, as crianças não são mais as mesmas e as escolas pelo que podemos perceber, continuam as mesmas de cinqüenta anos atrás, ainda que algumas se vistam com uma roupagem moderna. E o que é pior, os graduandos dos cursos de licenciaturas saem dispostos a mudar os rumos da educação do país, mas sem nem se quer conhecer o tamanho do dragão que os espera fora dos muros da instituições de nível superior.


Para mudar os rumos da educação brasileira e reconquistar o respeito e a importância do educador no Brasil é preciso mudar sim, a começar pelo processo de formação dos graduandos dos cursos de licenciatura. Pois só através da formação de docentes com uma visão pós-moderna, globalizada, multifacetada, liquida e conscientes da bagunça em que se encontra a educação no país é que poderemos dar os primeiros passos rumo a uma melhor educação no Brasil. Até lá, algumas vozes mais conscientes no decorrer deste processo se levantarão, talvez preparando, ainda que inexpressivamente, o futuro, para quem sabe um dia, possa haver educação de qualidade para todos e a sociedade possa redescobrir a importância que têm os professores para a construção de um mundo melhor e, consequentemente uma vida melhor.








Referencias:

Bauman, Zigmunt. A Sociedade Liquida. Jornal Folha de São Paulo de 22 de maio de 2003.

BAUMAN, Zygmunt. Identidades: Entrevista a Bendetto Vecchi. Rio de Janeiro, 2005, Ed: Jorge Zahar.

Carta de Transdisciplinaridade. Disponível em: www.ufrrj.br/.../Arquivo_14_Carta_Transdisciplinaridade_. Acesso em: 25/02/2012.

CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro: do leitor ao navegador. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. 2ª Ed. Ed: Unesp – São Paulo – SP 1998.

SEVCENKO, Nicolau. A Corrida Para o Século XXI: No Loop da Motanha-russa. Ed: Companhia das Letras. São Paulo, 2001.


[1] BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade Liquida. Jornal Folha de São Paulo de 22 de maio de 2003
[2] BAUMAN, Zygmunt. Identidades: Entrevista a Bendetto Vecchi. Rio de Janeiro, 2005, Ed: Jorge Zahar.
[3] Redigida em Portugal no ano de 1994 no convento de Arrábida por um grupo de estudiosos.
[4] Carta de Transdisciplinaridade
[5] CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro: do leitor ao navegador. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. 2ª Ed. Ed: Unesp – São Paulo – SP 1998.
[6] Carta de Transdisciplinaridade
[7] SEVCENKO, Nicolau. A Corrida Para o Século XXI: No Loop da Motanha-russa. São Paulo, 2001.
[8] A fragilidade de cursos de Pedagogia e de licenciaturas no Brasil. Nova Escola Edição 231, Abril 2010.