Nos dias atuais a definição de sociedade se tornou
escapadiço. Uma vez que a humanidade se encontra permeada por sociedades
liquidas onde as identidades são fluidas e nas quais as “verdades” são
passageiras e, “para sempre”, ao contrario do cita Bauman[1],
não dura nem vinte anos. Talvez sendo mais correto afirmar que se encontra bem
próximo do que disse Vinicius de Moraes: “Que seja eterno enquanto dure”.
A humanidade nos últimos trinta anos sofreu mudanças até
então inimagináveis. Certezas cederam lugar há incertezas, o impossível
tornou-se possível, a ficção saiu do imaginário das pessoas visionárias
tornando-se realidade no mundo factual. A informática ocupou espaços importantes
no dia-a-dia das pessoas e, ao longo de sua curta trajetória, foi se
miniaturizando tornando-se cada dia mais portátil e fácil de carregar.
Celulares, tabletes, ifones, netbooks viabilizaram o acesso a internet móvel
eliminando os fios e ampliando as formas de conexão a Rede Mundial de
Computadores. O que possibilitou às pessoas obter informações sobre os mais
variados assuntos onde quer que ela se encontre.
Assim essas mudanças proporcionadas pelas tecnologias
digitais se constituíram a base do mundo pós-moderno em que vivemos, ou como
diria Bauman[2], dessa ”sociedade líquida”,
onde as identidades se tornaram fluidas e movediças. O que Possibilita que as
pessoas tornem-se o que quiserem, ainda que de formar ficcional. Ou como afirma
Bauman (2005),
a “identidade” só nós é revelada como algo a ser
inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma
coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre
alternativas e então lutar por protegê-la lutando ainda mais – mesmo que, para
que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente
inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente
oculta.
Motivo pelo qual encontramos pensadores que na busca por
alternativas para salva a educação brasileira, apresentam soluções no mínimo
milagrosas, como a “Carta de Transdiciplinsridade” [3].
Em um mundo no qual, como diria Marx, “tudo que é solido se desmancha no ar”,
devido à velocidade das transformações provocadas pela parceria ciência e
tecnologia. Como esperar que diretrizes traçadas sob a égide de uma pseudo
Transdisciplinaridade seja a solução de todos os problemas enfrentados na
educação? E o que é pior, como se apoiar
sobre diretrizes traçadas por homens que se sentem acuados pela velocidade que
as tecnologias apreendem nas mudanças dos “fatos”? Situação que se encontra estampada de forma clara no preâmbulo da mesma
em frases como, “Considerando que a vida está fortemente ameaçada por
uma tecnociência triunfante que obedece apenas à lógica assustadora da eficácia
pela eficácia.[4]” Ainda que estes homens
sejam Doutores renomados em seus segmentos, não podemos deixar de perceber em
seus escritos o receio do desconhecido. Além do mais, Segundo Roger Chartier[5] “Aquilo
que é radicalmente novo, com a revolução eletrônica atual, é que não há
processo de aprendizagem transmissível de nossa geração à geração dos novos
leitores.”
Desta forma, talvez a grande pergunta a se fazer sobre a
utilização dos princípios impressos nesta Carta de Transdisciplinaridade é se
estes estudiosos já conseguiam antever os rumos que a sociedade tomaria
transformando-se nesta sociedade liquida, multifacetada e globalizada presente na
atualidade. Ou será que eles estavam tentando se proteger de um futuro incerto?
Como deixam transparecer no trecho escrito desta forma, “Considerando que a
ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior
cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências
sobre o plano individual e social são incalculáveis.[6]” Um
novo obscurantismo? E ai a pergunta que não quer calar é, será que o fato que
se apresenta para eles de forma obscura também o é para as gerações dos “novos
leitores” que os sucederam e principalmente para os leitores das gerações
vindouras? Nicolau Sevcenko[7] traz
uma analogia sobre Albert Einstein que é interessante para se pensar sobre esta
situação. Quando criança Einstein
passeava de trem e se maravilhava com os faróis das maquinas ao se cruzarem em
um túnel , e, se perguntava o que veria se estivesse em um daqueles fachos de
luz. Ao tentar compartilhar esta ideia com seu pai e seu tio não foi compreendido
por eles que viam apenas dois faróis que tinham a função determinada, porem o
jovem Einstein via ali um manancial de possibilidades ilimitadas. A diferença
entre Einstein e seus parentes é a perspectiva da dimensão do olhar. Se para o
pai e o tio de Einstein todo o contexto da eletricidade era uma inovação, para
ele ,que nascerá em um mundo no qual o seu uso já era um fato, a eletricidade
já não era novidade, mas sim suas possíveis potencialidades. Portanto, o que
para os idealizadores da Carta da Transdisciplinaridade parece obscuro para
outros que tenham uma perspectiva de olhar diferente pode ser uma gama de
possibilidades a ser explorada.
Não obstante, de alguns de seus artigos é possível retirar,
com moderação e consciência do contexto na qual ela foi elaborada, conceitos e
diretrizes que podem ser empregados no ensino formal brasileiro. Uma vez que
muito se fala sobre a utilização de métodos interdisciplinares e transversais
na pratica docente.
O fato é que a aplicação de métodos interdisciplinares e
transversais no ensino de história é quase uma unanimidade entre os docentes.
Porém, o seu uso deve ser feito de forma condizente com o momento de
globalização que se faz presente no mundo hoje.
No que se refere ao ensino de história, o uso da
interdisciplinaridade é uma constante, uma vez que o docente que atua nesta
área acaba, querendo ou não, tendo que lançar mão de conceitos e métodos
pertencentes as mais diversas áreas de atuação da ciência em prol de alcançar a
compreensão histórica.
Contudo, deve-se ter o cuidado de buscar sempre novas formas
de ver o mesmo objeto de estudo com o passar do tempo. Sempre se preocupando em
perceber a visão e os anseios dos estudantes que participarão do processo de
ensino aprendizagem. Pois só através da leitura do momento em curso, das
expectativas dos estudantes, do seus conhecimentos prévios e da influência
destes fatores no cotidiano dos alunos é que será possível agir como
facilitador do conhecimento. Sempre tomando o devido cuidado para não incidir
no “erro”, do passado, de engessar os alunos a partir de conceitos
pré-determinados. Destarte, a interdisciplinaridade e a transversalidade é um
caminho, mas não a solução de todos os problemas da educação.
Considerações Finais
È triste constatar que uma
reportagem publicada na revista Nova Escola[8],
dizendo que os cursos de licenciaturas não preparam seus alunos para a
realidade do ensino no Brasil, é verdade. Claro que as instituições através de
seus professores ministram vários conteúdos pertinentes ao curso que se dispõe
a proporcionar. Mas isso é muito pouco para se formar um professor no Brasil
atualmente. O mundo mudou, as pessoas mudaram, as crianças não são mais as
mesmas e as escolas pelo que podemos perceber, continuam as mesmas de cinqüenta
anos atrás, ainda que algumas se vistam com uma roupagem moderna. E o que é
pior, os graduandos dos cursos de licenciaturas saem dispostos a mudar os rumos
da educação do país, mas sem nem se quer conhecer o tamanho do dragão que os
espera fora dos muros da instituições de nível superior.
Bauman, Zigmunt. A
Sociedade Liquida. Jornal Folha de São Paulo de 22 de maio de 2003.
BAUMAN, Zygmunt. Identidades: Entrevista a Bendetto
Vecchi. Rio de Janeiro, 2005, Ed: Jorge Zahar.
Carta de
Transdisciplinaridade. Disponível em: www.ufrrj.br/.../Arquivo_14_Carta_Transdisciplinaridade_.
Acesso em: 25/02/2012.
CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro: do leitor ao
navegador. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. 2ª Ed. Ed: Unesp –
São Paulo – SP 1998.
SEVCENKO, Nicolau. A Corrida Para o Século XXI: No
Loop da Motanha-russa. Ed: Companhia das Letras. São Paulo, 2001.
[1]
BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade Liquida.
Jornal Folha de São Paulo de 22 de maio de 2003
[2]
BAUMAN, Zygmunt. Identidades: Entrevista
a Bendetto Vecchi. Rio de Janeiro, 2005, Ed: Jorge Zahar.
[3]
Redigida em Portugal no ano de 1994 no convento de Arrábida por um grupo de
estudiosos.
[4]
Carta de Transdisciplinaridade
[5]
CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro: do leitor ao navegador. Tradução:
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. 2ª Ed. Ed: Unesp – São Paulo – SP 1998.
[6]
Carta de Transdisciplinaridade
[7]
SEVCENKO, Nicolau. A Corrida Para o Século XXI: No Loop da Motanha-russa. São
Paulo, 2001.